“Casa de família em ruínas”. Llanos de Hospinal, Antigua-Fuerteventura.
No ano 2000 visitei a cidade de Baurú, uma região do interior do Estado de São Paulo.
Fui convidada pela Professora Dalva Aleixo, que conheci durante a sua pesquisa na U.L.L. em Tenerife, sobre “Racismo e Jornalismo nas Ilhas Canárias sobre a Comunidade Brasileira” e assim nos tornámos amigas íntimas, partilhando conhecimentos, língua, famílias e vida.
Ela convidou-me para dar aulas como “Palestrante” aos alunos de Jornalismo da Universidade Pública de Baurú, e lá fui eu no dia seguinte a um voo de 12 horas e uma viagem de quatro horas de Guarulhos a Baurú.
Falei a todas as turmas de Jornalismo sobre “A sobrevivência de um mundo da Antiguidade trazido para o Brasil pela colonização ibérica” e contei-lhes como os instrumentos musicais e as palavras árabes tinham atravessado o Atlântico de mãos dadas com colonizadores portugueses e espanhóis, passando a fazer parte do seu quotidiano sem que se apercebessem disso, porque o mundo é mais complicado se a História da Civilização não for bem contada.
Tive um resultado muito bom entre alunes e professores. Uma professora convidou a mim e aos alunos para visitar um acampamento do Movimento dos Sem Terra (MST) em Agudos, cidade próxima a Baurú, e fomos até lá. No ano anterior (1999), eu havia entrado em contato com as “Mulheres Sem Terra” durante a Marcha do dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, em Maceió, capital do estado de Alagoas.
Quando chegamos ao acampamento, fomos recebidos por um dirigente do MST do assentamento “Rosa Luxemburgo”, que estava no início. Ele me cumprimentou e disse: “Fico feliz em saber que na Europa também estão lutando pela terra”, e eu fui obrigada a explicar-lhe que “na Europa não há Reforma Agrária há 500 anos, e que eu venho de uma região, as Ilhas Canárias, que é fornecedora e produtora de produtos agrícolas para a União Européia”, falamos sobre o futuro e eu expliquei-lhe que a União Européia já se abastece de produção agrícola de terceiros, Turquia e Marrocos, entre outros. Falei-lhe também do SAT-Andaluzia e da única ocupação de terras bem sucedida em Marinaleda, Sevilha na Espanha.
Ele nos disse que o acampamento acolhe famílias, e eu respondi à perguntar “Que tipo de famílias o MST acolhe”. Ele me explicou que tudo é muito precário numa ocupação de um latifúndio de terra pública, muitas vezes entregue de forma fraudulenta a um latifundiário. Eles são ameaçados e alvejados (veja o massacre de Eldorado dos Carajás), e as famílias muitas vezes têm filhos pequenos. A minha pergunta sobre o tipo de famílias com uma alusão velada, ou não, dada a minha visibilidade como travesti-trans*, à população LGTBIQ+ ficou pairando no ar quente e poeirento.
Durante o ano de 2024 o MST comemorou o “Mês do Orgulho LGTBIQ+ Sem Terra” com pessoas acampadas e integradas ao movimento nesses 24 anos desde minha visita a Baurú.
“MST realiza o 1º Encontro Nacional de Travestis e Transexuais Sem Terra em Fortaleza, Ceará”, fui saudada pela manchete de um jornal em maio de 2024, e fico muito feliz com a evolução do MST, que no ano 2000 se declarou maoísta, e que fez uma imersão no século XXI para estender suas demandas ao Coletivo Sem Terra LGTBIQ+.
«MST realiza o 1º Encontro Nacional de Travestis e Transexuais Sem Terra em Fortaleza«https://www.brasildefatoce.com.br/2024/05/09/mst-realiza-o-1-encontro-nacional-de-travestis-e-transexuais-sem-terra-em-fortaleza
«Massacre de Eldorado do Carajás, Pará 1996«
«Familias do MST acampadas há mais de 10 anos marchan na região de Iaras (SP)«

